A santidade no matrimônio ao longo dos séculos.
SANTO HILÁRIO DE POITIERS e ESPOSA.
Seria possível haver um bispo que, além de casado, fosse também um santo Padre e Doutor da Igreja? A resposta é sim: Santo Hilário, o notável bispo de Poitiers e bravo oponente do arianismo, doutrina que negava a divindade de Jesus Cristo e o rebaixava à condição de criatura. Muitas biografias de Santo Hilário não menciona o fato de ele ter sido casado e pai de uma filha, como se fosse algum constrangimento. Em outras, dedicadas a esse importante Padre e Doutor da Igreja, afirma-se que Santo Hilário era, sim, casado, talvez a intenção de usar a informação como um argumento contra o celibato clerical. Nesses casos, merecem uma análise mais atenta.
Hilário nasceu cerca de 315, em Poitiers, na Aquitânia (França), filho de uma família rica e pagã. Em sua cidade natal, e depois em Bordeaux, recebeu uma educação de elite, estudando principalmente gramática e retórica. Apesar de pagão, Hilário sempre repudiou os comportamentos ímpios de seus conterrâneos, que, sua maioria, viviam uma vida de luxúria e degradação moral. Tinha um alto cargo administrativo, e como era costume entre funcionários oficiais bem estabelecidos, casou-se. Seu matrimônio foi abençoado com a chegada de uma filha, que recebeu o nome de Abra.
Hilário tinha um grande anseio pela verdade, e esse anseio guiava cada vez mais seu coração junto e generoso, que não encontrava satisfação na filosofia pagã. Em seus esforços para chegar à essência das coisas, especialmente em relação ao sentido da existência humana, como que por acaso entrou em contato com as Sagradas Escrituras, e então, através de sua leituras com as Sagradas Escrituras, e então, através de sua leitura e mediante o auxílio da graça divina, acabou conhecendo a fé cristã. Por volta do ano de 345, Hilário, Abra, e sua esposa foram batizados na Vigília de Páscoa.
Se na época em que era pagão já vivia uma vida exemplar, como cristão Hilário passou a esforçar-se ainda mais, junto com a esposa e a filha. Os três passaram a ser exemplos para os seus companheiros cristãos em Poitiers, e tinham a melhor reputação possível. Por isso é compreensível que, quando a diocese de Poitiers ficou vacante, em cerca de 350, por decisão unânime Hilário foi considerado o mais digno candidato a suceder ao bispo anterior.
Hilário cedeu aos apelos dos cristãos locais e aceitou o cargo e as responsabilidades do episcopado. Às vezes menciona-se, clara e enfaticamente, que Hilário viveu em total abstinência a partir do momento em que foi consagrado como bispo. Se foi assim mesmo, a afirmação condiz com a conduta do santo bispo, que, mesmo quando pagão, sentia repulsa pelo estilo de vida desregrado e, em grande parte, imoral e corrupto, praticado por muitos de seus concidadãos. Pode-se também supor que quando Hilário chegou ao episcopado sua esposa já não estava mais viva. Ficava apenas Abra, sua filha, e o bispo sempre olhava por ela, como demonstra em uma carta. Mesmo que hoje em dia essa carta (Ad Abram Filiam) seja considerada ilegítima segundo alguns acadêmicos, seu conteúdo condiz perfeitamente com a atitude do Hilário como pai e bispo.
Devido à sua postura ortodoxa e anti-arinista, em 356 Hilário foi exilado para a Frígia, na Ásia Menor. Em 360 ou 361, foi enviado de volta a Poitiers. Ali, sua principal atividade foi guardar e reintroduzir a verdadeira fé. Reuniu o seu clero em uma sociedade a partir da qual nasceram as primeiras comunidades monásticas da Gália, através dos esforços de seu dedicado discípulo Martinho de Tours. A personalidade de Hilário agregava a diligência e senso de responsabilidade de um funcionário romano ao zelo de um ortodoxo pastor de almas: ele procurava unir a clareza à piedade, a compreensão mútua à unidade eclesiástica. Foi com essa mesma intenção, certamente, que ele viveu a união com sua esposa, antes de receber a ordenação episcopal. Por ter conhecido melhor a teologia oriental durante o exílio na Frígia, Hilário compreendeu (após voltar à sua terra natal, na Gália) como combinar a teologia oriental com a ocidental de maneira harmoniosa, como "casá-las", por assim dizer. Não é legítimo imaginar que também tenha sido assim em relação à harmonia com que viveu o seu casamento, antes de se tornar bispo? Além disso, como enfatiza em suas obras de teologia, esse Doutor da Igreja tinha plena convicção da compatibilidade entre fé e razão. Em seus escritos, deixa claro "o quão essencial, para um verdadeiro teólogo, é ter não apenas uma mente clara, mas sobretudo um coração repleto de fé". Uma mente clara e um coração repleto de fé": não é isso o necessário, especialmente entre casais cristãos, para se conduzir correta e pacificamente um bom matrimônio? Nesse sentido, Hilário poderia ser um exemplo para os cônjuges cristãos.
Hilário de Poitiers faleceu por volta do ano de 367.
HOLBÖCK, Ferdinand. Santos Casados: A santidade no matrimônio ao longo dos séculos. P. 21, RS: Minha Biblioteca Católica 2020.