A Santidade no matrimônio ao longo dos séculos.
SANTA SALOMÉ e ZEBEDEU
Chegamos agora a um casal bíblico que, no início da Nova Aliança, teve a alegria e a honra de colocar dois filhos à disposição do Senhor Jesus para o colégio dos Apóstolos: SANTA SALOMÉ e seu esposo ZEBEDEU.
Tiago, o mais velho, e seu irmão, João, são os únicos apóstolos cujos pais são nomeados no Novo Testamento.
ZEBEDEU (Presente de Deus) é mencionado três vezes no Novo Testamento como pai dos apóstolos Tiago e João (cf Mt 20,20; e Lc 5,10), nascidos de Salomé, sua esposa. Não se sabe se ela deu à luz outros filhos. Além disso, as Sagradas Escrituras mencionam apenas que ele era pescador e exercia seu ofício no mar da Galileia e provavelmente viveu em Betesda. Como Zebedeu tinha um barco com redes de pesca e, além de seus dois filhos, empregou também alguns trabalhadores, pode-se concluir que sua família estava entre as mais afluentes daquela região.
Em nenhuma parte do Novo Testamento está dito que, como seus dois filhos, Zebedeu decidiu juntar-se aos mais próximos seguidores de Jesus. Lendas posteriores tampouco parecem ter algo a dizer sobre ele. Provavelmente faleceu durante o ministério público de Jesus, pois logo sua esposa juntou-se às outras mulheres que seguiram e serviam o Senhor.
A esposa de Zebedeu, SALOMÉ ("a pacífica"), era irmã ou parente próxima da Mãe de Jesus (cf. Mc 15,40; Mt 27,56). Nada se sabe acerca de sua infância e juventude.
Diferentemente de muitas outras judias contemporâneas de Jesus, Salomé provavelmente nunca teve de lidar com privações e necessidades, pois seu marido Zebedeu - como já foi dito - tinha um próspero negócio de pesca. O maior tesouro de sua casa, no entanto, e sua maior satisfação e orgulho, eram seus dois filhos: Tiago, o mais velho, e João, o caçula. Como o pai, também dedicaram-se à pesca e fizeram negócios na companhia dele e às vezes de outra dupla de irmãos, Simão Pedro e André (cf. Lc 5,9-10).
Nas sagradas escrituras, não se relata nada mais acerca da vida do casal Salomé e Zebedeu. Entretanto, podemos supor certamente que a família tivesse uma vida muito boa e feliz pois, em primeiro lugar, foi abençoado com filhos - ao que os maridos israelitas dava imenso valor - e, além disso, cumpria a exigência básica para uma vida em casal pacífica e feliz: a magnanimidade dos cônjuges e o profundo espírito religioso que permeava toda a vida familiar. É possível inferi-lo graças ao fato de que os dois filhos de Zebedeu e Salomé uniram-se desde cedo ao movimento messiânico iniciado com o aparecimento de João Batista. O filho mais jovem, João, junto de seu amigo e compatriota André, foi a primeira pessoa a quem o proveta apontou Jesus como o Cordeiro de Deus; depois, ele teve seu abençoado encontro com o Messias, em uma hora e circunstâncias que permaneceram para sempre guardadas em sua memória, mesmo em idade avançada (cf. Jo 1,35-36). João levou o irmão, Tiago, ao Senhor, e André levou seu irmão, Simão Pedro.
O chamado definitivo dos dois filhos de Zebedeu aconteceu depois, num dia em que ambos estavam ao lado de seu pai e Jesus Caminhava nas margens do rio de Genezaré (Mc 1,19-21). Jesus avistou em um barco Zebedeu, seus dois filhos e seus homens contratados enquanto limpavam as redes e preparavam-se para outra pesca. Os olhos do melhor juiz entre os homens viram nos dois Filhos de Zebedeu e Salomé almas generosas e cheias de ardor, admiravelmente apropriadas para o trabalho apostólico. Jesus os chamou, e sem hesitar ambos deixaram o barco, seu pai e todas as tarefas cotidianas, unindo-se ao pobre e errante pregador, ainda pouco conhecido em Nazaré. Naquela noite, a mãe, Salomé, alarmou-se ao ver Zebedeu aproximar-se de sua casa, vagaroso e pensativo, a dar-lhe, vacilante, a notícia de que seus dois filhos haviam se unido a Jesus em definitivo e dificilmente voltariam à casa da família.
Salomé, para quem, como ensinam as Sagradas Escrituras, os filhos eram o seu mundo, tamanha sua devoção, não seria uma mãe de verdade se tivesse-os deixado partir sem lágrimas ou lamúrias. Ela provavelmente conseguiu se conter quando soube que seus dois filhos pertenciam ao círculo mais próximo e favorecido de Jesus e que João era até mencionado como "o discípulo a quem Jesus ama" (cf. Jo 20,2). O próprio Jesus deu a ele e seu irmão, Tiago, o apelido de Boanergés (Filho do Trovão) e as cenas representadas em Lc 9,54 e Mc 9,38 demonstram que esse nome traduzia perfeitamente seus temperamentos.
O que mais revela as virtudes de Salomé é o fato de que, no fim das contas, ela não apenas renunciou alegremente a seus dois filhos (os quais havia criado com todo o talento que uma fiel e bondosa mãe judia poderia reunir) colocou-se à disposição do Senhor, servindo-o e prestando-lhe auxílio financeiro na companhia de outras mulheres (Mc 15,40; Lc 8,2-3). Desta maneira, ela pôde observar mais de perto o quanto Cristo tinha seus filhos em alta conta e os favorecia em lugar dos outros. Foi-lhes permitido estarem presentes quando Jesus despertou a filha de Jairo de volta da morte e quando Ele foi transfigurado no topo do Monte Tabor; eles estiveram com Cristo, também, quando Ele recebeu o batismo do amargo sofrimento no Monte das Oliveiras. Nessa ocasião, Salomé talvez se recordasse da resposta que o Senhor lhe dera quando ela, de maneira extremamente ambiciosa, fizera-lhe um extravagante pedido em nome de seus filhos:
Então aproximou-se dele a mãe dos filhos de Zebedeu com seus filhos, adorando-o e pedindo-lhe alguma coisa. E ele disse-lhe: "Que queres?". Ela respondeu: "Ordena que estes meus dois filhos se sentem no teu reino, um à tua direita e outro à tua esquerda". E Jesus respondendo, disse: "Não sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu hei de beber?". Eles responderam-lhe: "Podemos (Mt 20,20-22).
Mas Jesus disse-lhes: "Não sabeis o que pedis; podeis vós beber o cálice que eu vou beber, ou ser batizados no batismo em que eu hei de ser batizado?". E eles disseram-lhe: "Podemos". E Jesus disse-lhe: "Efetivamente haveis de beber o cálice que eu vou beber, e haveis de ser batizado no batismo em que eu heo de ser batizado; Mas, quando a assentarde à minha direita ou à minha esquerda, isto não depende de mim: o lugar compete àqueles a quem está destinado". (Mc 10,38-40).
O que levou Salomé a fazer tal pedido, que não só negligenciava os outros apóstolos, mas também parecia, superficialmente, um tanto presunçoso? Não muito antes disso, Pedro, em nome de todos os Doze, perguntava ao Senhor a respeito de sua recompensa, após Jesus ter apresentado ao jovem rico um destino grandioso, caso renunciasse a tudo e O seguisse, "Então Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: 'Eis que abandonamos tudo e te seguirmos; que haverá então para nós?'. E Jesus disse-lhes: 'Em verdade vos digo que, no dia da regeneração, quando o Filho do homem estiver sentado no trono da sua majestade, vós, que me seguistes, também estareis sentados sobre doze tronos, e julgareis as doze tribos de Israel'." (Mt 19,27-28). Salomé sabia, então, que dois tronos no futuro reino messiânico haviam sido prometidos a seus filhos. Mas isso ainda não a deixara satisfeita, e nem a eles.
Qual terá sido o pensamento de Salomé ao ouvir a resposta de Jesus sobre beber da mesma taça e mergulhar no mesmo banho batismal que Ele, considerando que essas duas imagens, segundo o sentido bíblico, remetiam a grandes sofrimentos? Acaso essa mãe assustou-se e teve premonições obscuras de que algo bastante difícil e doloroso estava reservado a seus filhos? As passagens das Escrituras não revelam nada nesse sentido, mas depois, através de Mateus e Marcos, evangelista que registraram as aspirações maternais de Salomé, descobrimos que ela não era apenas uma mãe ambiciosa, mas também uma mulher corajosa, que permaneceu com Jesus sob a cruz quando tudo revelou-se totalmente diferente do que ela esperava. Salomé tampouco sentiu-se desprezada quando o Salvador, morrendo na cruz, confiou o bem mais precioso que deixava na Terra, ou seja, Sua Mãe, a seu filho João (cf. Jo 19,27). Após a morte de Jesus, Salomé fez um generosa contribuição para que fossem compradas as ervas aromáticas a serem usada no sepultamento. Salomé também foi uma daquelas mulheres que, na manhã de Páscoa, apressou-se a ir ao túmulo para render a seu Mestre uma última homenagem mas, em vez disso, foi privilegiada com a visão do Ressuscitado. É provável que Salomé também tenha vivido para ver seu filho Tiago tornar-se o primeiro apóstolo a oferecer a própria vida a Cristo como mártir, quando veio a ser decapitado, por volta do ano 42.
A esposa de Zebedeu, mãe daqueles dois apóstolos, requisitou honrarias, e recebeu a garantia de sacrifícios. Porque Salomé e seus dois filhos, apesar de tudo, aceitaram e confirmaram os sacrifícios, Deus, com Sua generosidade infinita, recompensou-os à altura. Em muitas dioceses da Itália, a festa de Salomé, bem-aventurada esposa e mãe de dois apóstolos, é celebrada em 22 de outubro. Estamos certos em supor que essa seja a mesma data de Zebedeu, esposo e patriarca da família, um guia e exemplo para seus dois filhos não apenas na pesca, mas também na fiel e confiante esperança pelo Messias, a quem Tiago e João serviram com extraordinária fidelidade.
HOLBÖCK, Ferdinand. Santos Casados: A santidade no matrimônio ao longo dos séculos. P. 21, RS: Minha Biblioteca Católica 2020.
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