A santidade no matrimônio ao longo dos séculos
SANTA ISABEL e SÃO ZACARIAS
Os pais de São João Batista
Na transição entre a Antiga e a Nova Aliança, encontramos um casal ao qual as Sagradas Escrituras prestam enorme louvor:
Houve no tempo de Herodes, rei da Judeia, um sacerdote chamado Zacarias, de ordem de Abias, e sua mulher era da descendência de Aarão, e chamava-se Isabel. E ambos eram justos diante de Deus, caminhando irrepreensivelmente em todos os mandamentos e preceitos do Senhor, e não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e ambos se achavam em idade avançada.
(Lc 1,5-7)
De acordo com a passagem, Zacarias era da ordem sacerdotal de Abias, a oitava de vinte e quatro ordens em que todo o sacerdócio do Antigo Testamento estava dividido e que eram designadas, por sorte, para oferecer incenso diariamente no templo (Lc 1, 8-9). Zacarias (em hebraico: zekaryah, "o Senhor lembra"), então, era filho de um sacerdote. Não se obrigava a casar o filho de um sacerdote judeu com a filha de um sacerdote judeu, mas este era considerado um sinal especial de fidelidade à Lei do Senhor. Ainda é assim entre as família rabínicas ortodoxas, Zacarias seguiu o costume e casou-se com uma virgem da mais alta classe de Aarão, chamada Isabel (em hebraico: elisheba, "Deus jurou"; outras interpretações: "Deus é sete", ou seja, a perfeição; outros, ainda, afirmam que é um nome derivado do nome hebraico de Deus, El, e beth "lar", "casa de Deus").
Ao contrair matrimônio respeitando fielmente seus costumes ancestrais, o casal viveu sua vida conjugal estritamente de acordo com os preceitos e comandos de Deus. Eram ambos - como dizem as Escrituras em Lucas 1,6 "justos diante de Deus, caminhando irrepreensivelmente em todos os mandamentos e preceitos do Senhor". Tal julgamento acerca da conduta de um casal israelita era de fato bastante elogiosa. "Um profundo sentimento religioso interior e uma piedade exemplar caracterizou a vida dessa casal".
Nem todas as pessoas casadas viviam daquela maneira, nem mesmo as famílias sacerdotais em Israel. Havia também uma abordagem menos rigorosa. Seus adeptos acreditavam que eram mais liberais, que seguiam seu tempo. Não queriam entrar em conflito com Deus, mas também não queriam conflito com o mundo. Estar de acordo com a cultura contemporânea era mais importante do que viver estritamente de acordo com a Torá. Especialmente nas classes sacerdotais superiores, havia defensores desse modo saduceu de pensar.
Ao louvar as virtudes dos esposos Zacarias e Isabel, a intenção do evangelista Lucas era dar a devida atenção à ausência de filho do casal. Entre as pessoas de Israel na época, tal condição não era considerada apenas um pesado fardo, mas também uma sentença divina, a punição por graves pecados cometidos contra Deus. Se Zacarias e Isabel, mesmo em seu profundo pesar pela falta de filhos, não deixaram de viver de maneira justa, sua piedade então resistiu à prova de fogo.
Eles carregaram sua cruz humildade. Talvez por isso mereceram um favor especial de Deus: "Não temas, Zacarias, porque foi ouvida a tua oração; e tua mulher Isabel te dará à luz um filho, e Pôr-lhe-ás o nome de João" (Lc 1,13) (Iôannês é o nome grego para o hebraico (Yehôhanan, "Deus é misericordioso"). Aquele era de fato o nome mais adequado à criança que iria preparar o caminho do Redentor e anunciar o tempo da graça do Senhor.
É humanamente compreensível que Zacarias ficasse perplexo com o anúncio do anho e perguntasse: "Como terei certeza disso? Porque eu sou velho, e minha mulher está avançada em anos" (Lc 1,18). A dúvida de Zacarias, no entanto, mereceu um castigo expiatório, pois tratava-se de um anjo, um mensageiro de Deus, que lhe havia comunicado esse milagre, e o fizera em um lugar sagrado, num templo. Para um sacerdote do Antigo Testamento, aquilo deveria ter bastado para evocar a sua fé e uma grata e jubilosa confirmação do que lhe fora revelado.
Da parte de Isabel, não há registro de dúvidas e hesitações nas Sagradas Escrituras. A opinião de Pe. Ketter provavelmente está correta: "Sua alma feminina conhecia melhor aquele campo misterioso, onde a natureza encontra o sobrenatural, do que conhecia a alma sacerdotal de seu marido".
Uma nova fase da vida começou para aquele casal, especialmente para Isabel. Apenas as mães conseguem compreender na pele que transformação se deu em todo o seu ser, quando o Criador a convocou ao Seu serviço, mesmo que ela já se encontrasse em idade avançada.
"E aconteceu que, depois de terem acabado os dias do seu ministério, retirou-se para sua casa; e, alguns dias depois, Isabel, sua mulher, concebeu, e durante cinco meses esteve escondida, dizendo: Eis a graça que o Senhor me fez, nos dias em que me olhou para tirar meu opróbrio de entre os homens (Lc 1,23-25). O que podemos deduzir a partir desse solilóquio de Isabel que Lucas nos transmitiu? Por um lado, ela tinha consciência de que a criança que concebera fora um bênção e um sinal da generosidade divina, afinal, ela e o marido haviam desejado um filho por longo tempo e rezado juntos anos após ano com tal intenção. Além disso, ela era grata a Deus por libertá-la da vergonha que carregava os olhos dos homens. Mas por que Isabel permaneceu em total reclusão por cinco meses? Será por querer aparecer novamente entre os vizinhos apenas quando ficasse evidente que Deus lhe livrara de sua vergonha de não ter filhos? Outro motivo, mais sublime, a manteve em casa em silêncio: ela refugiou-se das atividades do mundo para ficar sozinha com Deus e assim oferecer a seu bebê, naqueles cinco meses de retiro e silêncio, um ambiente propício para seu desenvolvimento e também as bênçãos abundantes de um diálogo ininterrupto com Deus. Astuciosamente, observou-se que nesse período silencioso de Isabel, tornou-se parte da carne e do sangue de seu filho o amor o silêncio e à solidão que ele mais tarde viria a procurar no deserto. E a base fundada durante esses cinco meses de crescimento silencioso no ventre de sua mãe foi completada, então, no sexto mês, com o sopro do Espírito Santo ao Maria visitar Isabel. O primeiro encontro das duas mães abençoadas foi acompanhada de milagres da graça, e ainda mais abundante foi a corrente de bênçãos que jorrou durante os três meses que aquelas duas mulheres grávidas passaram juntas (cf. Lc 1,39-56).
Quando, ao fim dos nove meses, Isabel deu à luz seu filho e segurou-o em seus braços, foi um dia glorioso não apenas para ela e seu marido, Zacarias: "E os seus vizinhos e parentes, ouviram como o Senhor tinha assinalado com ela a sua misericórdia, e congratulavam-se com ela" (Lc 1,58). Depois de anunciar o nascimento de um filho a Isabel, o anjo Gabriel dissera a Zacarias: "será para ti motivo de gozo e de alegria, e muitos se alegrarão no seu nascimento" (Lc 1,14). Zacarias comemorou ademais o fato de ter-lhe sido tirado o castigo da mudez. Podendo falar novamente, louvou e agradeceu a Deus, profeticamente e com todo o seu coração: "E Zacarias, seu pai, foi cheio do Espírito Santo, e profetizou, dizendo: 'Bendito seja o Senhor, Deus de Israel'" (Lc 1,67-68)
Não sabemos o que aconteceu depois da vida do casal Isabel e Zacarias. As Sagradas Escrituras não tratam do assunto. De todo modo, os louvores divinos cantados por Zacarias ainda ressoam, no cântico conhecido como Benedictus, recitado na hora litúrgica das Laudes, e proferido todos os dias por religiosos e sacerdotes no Ofício Divino. De acordo com o apócrifo Apocalipse de Zacarias, da virada do século IV, Zacarias foi assassinado por Herodes, no templo. Não há dúvidas de que ele foi considerado santo desde as mais antigas eras cristãs, e seu dia é 5 de novembro, o mesmo de sua santa esposo, Isabel. Embora apenas depois da reforma do calendário litúrgico, iniciada pelo Concílio Vaticano II, os santos casados passassem a ser celebrados no mesmo dia, e não em dias separados (Joaquim e Ana, pais da Santíssima Virgem, e o casal imperial Santo Henrique e Santa Cunegundes, por exemplo), os pais de João Batista sempre foram celebrados na mesma data e aparecem mencionados juntos no Martirológio Romano, no registro de 5 de novembro: "O santo sacerdote e profeta Zacarias, pai de São João Batista, mensageiro do Senhor, e Santa Isabel, mãe do futuro santo profeta".
HOLBÖCK, Ferdinand. Santos Casados: A santidade no matrimônio ao longo dos séculos. P. 16, RS: Minha Biblioteca Católica 2020.
TRECHOS BÍBLICOS
Lc 1,8-9
"Ora, aconteceu que, ao desempenhar ele as funções sacerdotais diante de Deus, no turno de sua classe, coube-lhe por sorte, conforme o costume sacerdotal, entrar no Santuário do Senhor para oferecer o incenso".
Lc 1,6
"Ambos eram justo diante de Deus e, de modo irrepreensível, seguiam todos os mandamentos e estatutos do Senhor."
Lc 1,13
"Disse-lhe, porém, o Anjo: "Não temas, Zacarias, porque a tua súplica foi ouvida, e Isabel, tua mulher, via te dar um filho, ao qual porás o nome de João".
Lc 1,18
"Zacarias perguntou ao Anjo: "De que modo saberei disso? Pois eu sou velho e minha esposa é de idade avançada".
Lc, 23-25
"Completamos os dias do seu ministério, voltou para casa. Algum tempo depois, Isabel, sua esposa, concebeu e se manteve oculta por cinco meses, dizendo: "Isto fez por mim o Senhor, quando se dignou retirar o meu opróbrio perante os homens!"
Lc 1, 39-56
"Naqueles dias, Maria pôs-se a caminho para a região montanhosa, dirigindo-se apressadamente a uma cidade de Judá. Entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. Ora, quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre e Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Com um grande grito, exclamou: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre! Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite? Pois quando a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria em meu ventre. Feliz aquela que creu, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido!"
Maria, então disse:
"Minha alma engradece o Senhor, e meu espírito exulta em Deus em meus Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva.
Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada, pois o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor.
Seu nome é santo e sua misericórdia perdura de geração em geração, para aqueles que o temem.
Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso.
Depôs poderosos de seus tronos, e a humildade exaltou.
Cumulou de bens e famintos e despediu ricos de mãos vazias.
Socorreu Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia - conforme prometera a nossos pais - em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre!"
Maria permaneceu com ela mais ou menos três meses e voltou para casa".
Lc 1, 58
"Os vizinhos e os parentes ouviram dizer que Deus a cumulara com sua misericórdia e com ela se alegraram".
Lc 1,14
"Terás alegria e regozijo, e muitos se alegrarão com o seu nascimento".
Lc 1,67-68
"Zacarias, seu pai, repleto do Espírito Santo, profetizou:
Bendito seja o Senhor Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo".
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